Recentemente o programa de voluntariado da Rede Brasileira de Trilhas foi destaque em publicação do Instituto Ipê. Pedro da Cunha e Menezes explica como o voluntariado é uma importante ferramenta de engajamento e participação da sociedade nas áreas protegidas, participando ativamente de todos o processo de implantação de uma rede nacional de trilhas. A matéria foi destaque no livro do Instituto Ipê: Diálogos da Conservação sobre Voluntariado para a Conservação da Biodiversidade. Segue a matéria na íntegra:
Em fevereiro de 2017, a inauguração da Trilha Transcarioca, reforçada pela criação oficial da Rede Brasileira de Trilhas pelos Ministérios do Meio Ambiente, Turismo e ICMBio, em outubro de 2018 , trouxe ao cenário brasileiro uma nova ferramenta de engajamento da sociedade e de conservação: a Trilha de Longo Curso. Se bem manejado, esse equipamento de visitação produz quatro grandes resultados: (1) conectividade de paisagens (2) geração de emprego e rendo (3) recreação e contato com a natureza e (4) pertencimento.
Para que a conectividade aconteça os outros três pilares têm que estar funcionando. Como bem mostram os resultados da National Trail Systen nos Estados Unidos, onde somente a Appalachian-Trail conta com cerca de seis mil voluntários que doam aproximadamente 240 mil horas de trabalho anual para a trilha, é a força cidadã, expressa por meio de trabalho voluntário que cria a pressão política necessária para que haja a conversão do uso da terra, sem a qual uma nesga de pasto ou uma faixa de plantação nunca se transformariam numa trilha reflorestada que funciona como conector de paisagem entre as UC’s. Uma vez criada essa força política, o uso recreativo das trilhas vem junto, com a consequente geração de emprego renda, por meio de serviços de hospedagem alimentação, transporte, guiamento, venda de equipamentos entre outros.
A Rede Brasileira de Trilhas foi pensada com base na experiência norte-americana e no aprendizado acumulado de voluntários profissionais ligados à Rede. Essa experiência soma-se ao conhecimento acumulado pelo próprio ICMBio desde que começou a trabalha com voluntariado no Parque Nacional da Tijuca em 1998.
A Rede Brasileira de Trilhas começou a ser implementada como um projeto cidadão, todo por voluntários locais em estreita parceria com gestores de UC’s. Todos os mesmos objetivos (1) de curto prazo: sinalizar trilhas de forma padronizada e sistêmica disponibilizando novos equipamentos de à cidadania. (2) de médio prazo: gerar emprego e renda no campo, melhorando a qualidade de vida e fixando as pessoas nas áreas rurais e (3) de longo prazo: ligar com conectores de paisagens todas as UC’s do Brasil, contribuindo assim para mitigar a fragmentação da natureza.
Apenas nos dois anos iniciais o projeto já reuniu cerca de três mil voluntários, que juntos aos respectivos servidores, implementaram dois mil quilômetros de trilhas, conectando 194 UC’s em 17 estados e no Distrito Federal. Outros seis mil quilômetros de trilhas estavam em fase de implantação no final de 2019.
Apesar dos sucessos obtidos, a vocalização das deficiências das UC’s e a cobrança por parte de voluntários pode causar incômodo em alguns gestores. Entretanto, trata-se, de observação verdadeira e de um processo legítimo. É natura que o voluntário queira debater as políticas de administração pública para as quais está doando seu tempo. É a paga que pede pelo seu comprometimento.
No caso do Brasil, por exemplo, a força do voluntariado é fundamental para que consigamos implementar a política de conectores de paisagem em locais que hoje localizam-se fora de áreas protegidas e não estão sobre nenhuma norma legal de proteção ambiental. Para isso é primordial que tenhamos um sentimento de pertencimento ao mesmo tempo local e nacional, administrando as trilhas em forma de sistema, de maneira a evitar uma competição entre trilhas pelo recrutamento dos mesmos voluntários e dos mesmos recursos financeiros. Para atingir esse mesmo objetivo, foi criada uma sinalização padronizada em todo o país reconhecida com a atribuição do Prêmio Nacional de Turismo 2018. Todas as trilhas da Rede estão sinalizadas com pegadas amarelas sobre o fundo preto em um sentido e pretas sobre fundo amarelo no sentido inverso. A sinalização adotada permite que cada trilha escolha uma pegada individual para si própria, gerando pertencimento e propiciando geração de emprego e renda, pois essa pegada pode virar produto, como caneca, chapéus, chaveiros etc. Por outro lado, como todas as trilhas adotam o mesmo padrão de sinalização das “pegadas”, cria-se uma marca “Trilhas do Brasil”.
Pensar que o voluntariado resolve tudo, entretanto, é ilusão. Gerenciar o trabalho voluntário não é tarefa fácil nem barata. Organização e técnica de liderança são fundamentais. Embora o voluntariado tenha alto grau de comprometimento com a causa a qual devota seu tempo, ele tem que atender também as suas próprias atividades profissionais. Assim, nem sempre será possível garantir sua presença nas horas em que seu trabalho seja porventura necessário. Sem um planejamento flexível e pensado para funcionar mesmo com eventuais ausências de voluntários esperados não e conseguirá atingir objetivo algum.
O NationalTrail System estadunidense tem em cada trilha, pelo menos um funcionário público treinado apenas para lidar com voluntários. As trilhas maiores como a AppalachianTrail e a Pacific CrestTrail chegam a ter mais de 30 profissionais cada, dedicados à captação de fundos e à gestão do trabalho voluntário.
O grande desafio, portanto, é não apenas mobilizar ou recrutar voluntários, mas aparelhar a estrutura institucional pra que seja possível coordenar essa massa dispersa de voluntários já existente e organiza-la de modo a instrumentalizar seu trabalho de forma continuada e sustentável. É preciso também entender que o benefício do trabalho voluntário é acrescido do aumento da consciência ambiental e da compreensão por parte dos voluntários dos difíceis processos de gestão, funcionando para eles como um grande instrumento de educação ambiental. Para que possamos contar com maior parcela de trabalho voluntário, todavia, os administradores públicos têm que estar preparados para entender que a ferramenta “trilha de longo curso” extrapola cada unidade individualmente, pois serve, sobretudo, o SNUC. Se todos, voluntários e profissionais da conservação, trabalharmos juntos quem ganha é o SNUC.