As Trilhas de Longo Curso e as Unidades de Conservação
A Rede Brasileira de Trilhas se sustenta em três eixos básicos de atuação: recreação, geração de renda e sustentabilidade. É notória a função da Rede de Trilhas como equipamento de recreação e lazer para os usuários das trilhas que, junto com a geração de renda, talvez sejam as características mais marcantes para o público em geral no que se refere aos benefícios trazidos pelas Trilhas de Longo Curso.
Entretanto, as vantagens apresentadas por essas trilhas para a sociedade vão além da recreação e geração de renda. A conservação de ecossistemas é sem dúvida um dos motores que move a Rede Brasileira de Trilhas, que atua para que o estado Brasileiro e a sociedade reconheçam as Trilhas de Longo Curso como ferramenta estratégica de conservação da diversidade biológica e dos serviços ecossistêmicos prestados ao longo dos territórios por onde passa.
A conectividade entre áreas protegidas é essencial para a manutenção da saúde dos ecossistemas e foi nesse sentido que a International Union for Conservation of Nature (IUCN) publicou em 2020 as Diretrizes para conservar a conectividade por meio de redes e corredores ecológicos¹ por meio da World Commission on Protected Areas (WCPA).
Na referida publicação é citada uma série de serviços ecossistêmicos gerados pela manutenção desses corredores ecológicos, como migração de fauna, a manutenção dos serviços hidrológicos, a ciclagem de nutrientes, a polinização, dispersão de sementes, além da promoção da segurança alimentar, o aumento da resiliência climática e até mesmo o fortalecimento da saúde das pessoas, uma vez que a saúde dos ecossistemas colabora significativamente com a saúde pública.
E é justamente, observando os benefícios e a necessidade de criação de conectores de paisagens que a Rede Brasileira de Trilhas vem atuando junto às unidades de conservação de forma sinérgica para que possamos, juntos, promover a valorização dessas áreas protegidas e criar uma grande rede conectora de paisagens naturais.
É sabido que a fragmentação de ambientes tornou a malha de áreas protegidas brasileiras mais próxima de um conjunto do que de um sistema, induzindo a gestão individualizada de cada área protegida. Nesse sentido a Rede Brasileira de Trilhas colabora, sobretudo, para que as Unidades de Conservação, possam ser geridas verdadeiramente como um sistema, e não como um conjunto, que são coisas bem distintas.
Até aqui, já são 235 unidades de conservação e 01 Geoparque conectados pelos mais de 10 mil quilômetros de Trilhas planejadas distribuídos pelos seis biomas terrestres existentes no país: Mata Atlântica, Cerrado, Pampas, Caatinga, Amazônia e Pantanal.
Essa conectividade gerada pelas Trilhas de Longo Curso como ferramenta de conservação corrobora com o SNUC ainda uma vez que as Trilhas promovem a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico. E lembramos ainda que um dos princípios previstos na Lei do SNUC é a “busca de apoio e a cooperação de organizações não-governamentais, de organizações privadas e pessoas físicas para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas, práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras atividades de gestão das unidades de conservação;” e as TLC são uma oportunidade de fortalecer essa relação entre os diversos atores dos territórios onde as UCs se localizam em todo Brasil.
Atualmente, a Trilha Transespinhaço (MG) é a Trilha de Longo Curso que conecta o maior número de unidades de conservação: são 50 UCs ao longo dos cerca de 1.000 km de percurso em implementação. A Trilha Transmantiqueira vem em seguida no ranking de unidades de conservação, são 30 áreas conectadas pela trilha que percorre três estados (SP, RJ e MG) por cerca de 1.200 km de trilha.
Vale destacar também que a presença de UCs geridas por distintas esferas administrativas ao longo das trilhas é fundamental na institucionalização de um projeto integrador, onde todos os envolvidos possam desenvolver um sentimento de "pertencimento à causa". As Trilhas de Longo Curso criam então um ambiente de integração entre a União, os Estados da Federação e as Prefeituras Municipais. Oque é, sem dúvida, uma resposta a um dos maiores desafios da gestão pública no país: a pouca integração entre as esferas administrativas. Que, inclusive, não é um problema exclusivo da agenda ambiental.
Monitorar a implementação dessas Trilhas como ferramenta do SNUC é imperioso. Nas três esferas de governo, iniciativa privada e sociedade civil, precisamos nos unir para aplicar cada vez melhor essa nova ferramenta de conservação, de maneira a que ela ajude o SNUC a produzir sempre melhores resultados na sua missão legal.