Nos últimos anos todo o advento da pandemia de Covid-19 colocou os negócios do setor de turismo em uma situação de cheque: Como atuar em meio ao caos e ao sair dele, como se reposicionar? Tudo o que vivemos neste período foi inevitável, não ser atropelado pelas consequências provocadas pelos fechamentos, pelas restrições, pelo medo... Não quero, entretanto, começar o texto por esse viés, pois este também foi para mim, e é sobre isso que quero falar, um período de muitos aprendizados, coisas boas, novas relações, pelo surgimento de um universo de possibilidades, oportunidades, conexões positivas e de amizade no âmbito do Caminho da Fé, trilha de longo curso e rota peregrina com mais de 2.500 km de trilhas sinalizadas que conecta os Estados de São Paulo e Minas Gerais por meio da trilha melhor estruturada que temos no Brasil na atualidade.
Um grande parceiro neste período foi o Luiz Del Vigna, diretor executivo da ABETA – Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura e Ecoturismo, com quem troquei muitas ideias em função de conexões construídas durante o ABETA Summit de 2019, no qual identificamos várias possibilidades de trabalho conjunto.
Nossos encontros online eram recorrentes e falávamos de muitos assuntos, mas a maioria deles estava atrelado à reflexão sobre o que estávamos vivendo, sobre o turismo, sobre como enfrentaríamos as dificuldades naquele momento e no futuro próximo e, acima de tudo, sobre como nos mantermos resilientes no meio da tempestade, ou melhor como nos transformaríamos em um negócio “anti-fragil” para permanecer, sobreviver e se destacar em um mundo em mudanças. Tudo certamente passaria e teríamos muito trabalho pela frente quando a tempestade fosse embora.
Mesmo diante de discussões muito produtivas, sempre encaixávamos um tempo para falar do que era bom e do que sentíamos falta, e na maior parte dessas vezes nos pegávamos falando sobre a vida ao ar livre e o que as experiências no ambiente natural nos proporcionam. E, consequentemente, falamos muito das nossas experiências no Caminho da Fé, cada um pelo seu espectro, mas com uma mesma conclusão, voltada para este amor imenso que sentimos pelo Caminho e para o desejo enorme de voltar a percorrê-lo livremente.
No meio de tudo isso, o Luizão, como é conhecido por todos nós, fez a conexão das propostas, entre o que vinha se desenhando enquanto Rede Brasileira de Trilhas e o Caminho da Fé, e nas infinitas possibilidades de boas conexões que uma possível parceria entre as partes poderia gerar. E assim começou nossa aproximação com a Rede.
Em um primeiro momento de diálogo, as coisas não se encaixaram. Acredito que tínhamos expectativas diferentes em relação ao desenvolvimento da trilha, assim como o papel das instituições sobre ela. Era necessário encontrar um lugar comum para que os diálogos fluíssem de forma empática. Houve um certo distanciamento e o tempo tomou conta das coisas de forma sábia.
Em uma segunda aproximação, o Luiz, como bom articulador que é, além de sua habilidade nata de traduzir e interpretar informações, facilitou os novos diálogos e tudo começou a se moldar de forma positiva. E enfim, a coisa andou, eu fui conhecendo mais sobre a proposta da Rede, conhecendo as pessoas, entendendo as relações e observando de que forma poderíamos colaborar com o todo, a partir da experiência adquirida pelos 19 anos de trajetória do Caminho da Fé.
A pegada do Caminho da Fé no padrão da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso
Ao longo das extensas trocas, veio o convite para que eu ocupasse a diretoria de rotas peregrinas da Rede Brasileira de Trilhas, e que, depois de aprovado internamente pela organização do Caminho da Fé, formalizou a parceria entre as iniciativas. A partir deste momento, intensificamos ainda mais as trocas, colaboramos, dividimos opiniões, disponibilizamos sugestões, orientamos com base em nossa experiência de gestão, e compartilhamos as nossas conquistas e dificuldades.
Quando percebi, estava envolvida com a proposta da Rede, acreditando na ideia, mas ciente do grande desafio que temos pela frente para conseguir criar mecanismos para que no futuro haja um sistema integrado e único das trilhas de longo curso no país. Entendendo as minhas possibilidades, habilidades e o conhecimento adquirido no desenvolvimento do trabalho no Caminho da Fé, fui me envolvendo cada vez mais nesse processo de gestão, colaborando de uma maneira mais efetiva e estimulando um processo de reflexão junto à direção da Rede a partir das premissas básicas do projeto, como: o que somos, o que queremos, no que acreditamos, a que viemos, etc. Todo este trabalho foi motivando outras pessoas a se envolverem e coletivamente construímos uma base de informações que passou a moldar como atuaríamos dali para frente.
E, mais uma vez, quando me dei conta, eu estava ainda mais envolvida no processo, na construção dos ideais e na remodelagem da forma de atuar. Me senti parte dela, com um sentimento de responsabilidade e um desejo visceral de fazer a diferença e ser parte de um processo de mudança no agora e no futuro. Não só pela minha participação, como indivíduo, nos processos, mas pelo Caminho, que começa a ser a rede no território onde ele atua.
Uma das minhas maiores preocupações enquanto gestora é como fazer com que o Caminho da Fé se perpetue, tal qual a rota peregrina de Santiago de Compostela que o inspirou, e se torne algo milenar, com a institucionalização de seus processos e de sua proposta, para que seu desenvolvimento prossiga independente de quem seja o seu gestor. Creio que o objetivo maior é garantir que o Caminho continuará funcionando, conforme foi idealizado e aprimorado ao longo dos anos, e que continuará ocupando um lugar de referência no presente, ao mesmo tempo em que possa ser um instrumento e exemplo para novos modelos de fomento de trilhas de longo curso — o que por sua vez consolidará o próprio método e o significado do Caminho junto à Rede.
Quando nos demos conta, já tínhamos desenvolvido uma identidade visual dessa união do Caminho da Fé e da Rede Brasileira de Trilhas, que foi validada e já inserida no contexto de comunicação e identidade visual do Caminho. Como parte da proposta, entendemos que somos a Rede e a Rede é o Caminho, e que ele poderá ser eternizado, protegido e reconhecido como um produto nacional, eternizando seu propósito, sua história e seu modelo de atuação por fazer parte do Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso.
*Camila Bassi Teixeira é gestora Executiva do Caminho da Fé e Diretora de Rotas Peregrinas da Rede Brasileira de Trilhas